quarta-feira, 19 de maio de 2010

Eu passei suas camisas, estão dobradas em cima da cama. Não se esqueça que aquele seu terno azul se lava a seco, que eu estou indo embora.
Isso porque você saiu há alguns minutos para comprar pão e seu olhar com as coisas era o mesmo que o seu olhar comigo. E fiquei pensando na varanda, sentindo que de manhã o ar já acorda viciado. Pensei, por algum motivo qualquer, que não iria fazer seu café porque tinha certeza de que o pão que você traria seria recheado das coisas que só você gosta.
Eu estou indo embora porque me cansei do pão, do recheio, de você e até mesmo da nossa roupa de cama.
Sentei no sofá e tentei me dissuadir de pensar, tentei ler uma revista, mas seus olhos de piedade não me saíam da cabeça. É que você me olha como se eu fosse doente, como se a minha desordem eu merecesse sozinha.
Me doeu a primeira vez que você me olhou assim, porque aí eu soube: que eu era na verdade uma lacuna. E que um pouco da piedade nos seus olhos era você olhando para dentro. Eu sei, você me acolheu porque tinha as tardes livres. Você me aceitou porque queria um conforto, e também porque que eu era algo como espontânea. Algo que ama, e não se apega - era isso?
Você me perguntou um dia se eu me acostumaria com a sua vida longe de mim, embora eu no fundo soubesse que você não suportaria o vislumbre da minha vida perdurar até depois da sua.
Que eu acordava com o telefone tocando. Você então falava com voz de madrugada. Falava das mulheres que não eram eu. Eu adormecia.
E como você gosta e brinca de achar que sou livre e desprendida de coisas materiais, como se isso fosse um capricho, vou hoje sair de casa só com a roupa do corpo. Depois volto, para pegar minhas coisas, porque quero sair antes mesmo de você chegar. Não porque eu tenha medo de você, ou porque o cheiro morno da padaria irá me desarmar. É que você, às vezes, quando estamos atrasados, sai da casa antes de mim, sem me esperar, só porque fui escovar os dentes.
Quero que você me procure pelos corredores assim como faço nessas ocasiões. E é tão triste, porque enquanto te procuro, tudo vai desmontando e eu vou logo sabendo: você faz isso que é para as pessoas não pensarem que a gente se atrasa porque a gente se ama, mas para mostrar a elas que sou uma desencaminhada e não tomo jeito e adoro deixá-las esperando.
Eu dobrei suas camisas não como um último ato de submissão, mas porque não quero que você veja o caos e se lembre de mim (é que camisas jogadas são para você o caos). Eu quero que você veja a ironia que repousa sobre um quarto arrumado.

Um comentário:

  1. Nina! É na pirraça que a gente ganha a vida! Parabéns pelo passo gigante de se expor. Carpinejar ia se orgulhar de você. Um beijo!

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